A Insuficiência da Análise de Impacto Regulatório nos Decretos do Poder Executivo

Por Dr. Márcio Alcântara, Brasília, 03/10/2024

A promulgação do Decreto n.º 10.411/2020 foi um marco no avanço da governança regulatória no Brasil. Ele institucionalizou a Análise de Impacto Regulatório (AIR), exigindo que órgãos e entidades públicas realizassem uma avaliação prévia antes de editar normas que afetassem diretamente agentes econômicos ou consumidores. No entanto, quatro anos após sua implementação, a execução da AIR para decretos do Executivo ainda carece de aplicação plena, especialmente em casos que não são enquadrados nas hipóteses de dispensa previstas na legislação.

Desde 2021, a AIR tornou-se obrigatória para muitas agências reguladoras e para o Ministério da Economia, órgãos que já possuíam certa experiência com o uso desse mecanismo. Apesar disso, a aplicação em outros setores do governo federal tem sido irregular. Em muitos casos, a AIR é dispensada com base em critérios como urgência ou baixo impacto regulatório, reduzindo a frequência de sua adoção. Essa dispensa, embora legal, muitas vezes levanta dúvidas sobre a eficácia e a transparência das decisões regulatórias.

O Decreto n.º 12.068/2024, que regulamenta a prorrogação das concessões de distribuição de energia elétrica, é um exemplo claro dessa realidade. Embora não tenha sido publicada uma AIR associada ao decreto, é possível que a dispensa tenha sido aplicada, pois grande parte da regulação foi delegada à Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL). A ANEEL, por sua vez, será responsável por regulamentar pontos cruciais, como os critérios de eficiência e de prestação de serviços pelas concessionárias, utilizando o processo de AIR em suas normatizações subsequentes.

No caso do Decreto n.º 12.068, muito foi atribuído à ANEEL, que terá a função de fiscalizar e regular a continuidade do fornecimento e a gestão econômico-financeira das concessionárias de distribuição. Isso inclui a responsabilidade de realizar avaliações técnicas anuais com base em indicadores específicos, além de regulamentar temas como a modernização das redes e a introdução de incentivos tarifários. Dessa forma, o decreto transfere à ANEEL a tarefa de conduzir o processo regulatório detalhado, o que pode ter justificado a dispensa da AIR durante a emissão do decreto.

A não realização da AIR no contexto do Decreto n.º 12.068/2024 levanta questionamentos sobre a consistência e a eficiência das práticas regulatórias no Executivo. Se, por um lado, o decreto poderia se enquadrar nas hipóteses de dispensa previstas no Decreto n.º 10.411/2020, por outro, é importante refletir sobre os impactos de delegar completamente a avaliação regulatória às agências, como a ANEEL, após a edição de normas tão significativas. A ausência de uma AIR prévia ao decreto enfraquece a transparência e o controle regulatório, uma vez que o impacto das normas sobre o mercado e a sociedade não é avaliado de forma ex ante.

Essa prática sugere que o Poder Executivo ainda não adotou plenamente a AIR em seus processos normativos, exceto quando exigido diretamente pela legislação. Embora a ANEEL possa preencher essa lacuna posteriormente, realizando suas próprias análises regulatórias, a necessidade de uma AIR completa para decretos de alto impacto como o n.º 12.068 deveria ser mais enfatizada. A execução da AIR não deveria ser vista como uma etapa opcional, mas sim como uma ferramenta indispensável para garantir que as decisões regulatórias sejam embasadas em evidências e ponderações cuidadosas.

Recentemente, o governo lançou a estratégia REGULA MELHOR, que visa melhorar a qualidade regulatória e aumentar a eficiência das decisões normativas. Essa iniciativa reflete a necessidade crescente de integrar a AIR como um processo sistemático e abrangente em toda a administração pública, evitando a adoção de normas sem a devida análise de seus impactos econômicos e sociais. A REGULA MELHOR reforça a importância de garantir que a AIR seja aplicada de maneira rigorosa, mesmo em casos onde a dispensa é permitida, para assegurar que as decisões regulatórias sejam fundamentadas e sustentáveis a longo prazo. A adesão a essa estratégia poderia ser um passo significativo para fortalecer a transparência e a legitimidade das ações do Poder Executivo.

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